Se as licitações têm sido um dos temas mais tradicionais do Direito Administrativo, e talvez o mais presente no dia a dia dos advogados que militam na área, as disputas para as contratações de obras tendem a dominar esse debate. Seja pela própria base legislativa que deu origem à Lei nº 8.666, de21 de junho de 1993 (Lei nº 8.666/1993) (ROSILHO,2013, p. 1), seja pelo volume de recursos públicos que movimentam, as licitações para contratação de serviços de obras aceleram as discussões sobrea Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021 (Nova Lei de Licitações ou Lei nº 14.133/2021).

A licitação é somente a ponta do iceberg. Do processo licitatório, resulta o contrato de engenharia celebrado em regime público, e, com ele, ganham vida as situações de risco. Afinal, situações inesperadas podem sempre surgir. E se o projeto de engenharia licitado não foi implementado? Se as chuvas forem acima do esperado e alterarem as condições previstas no projeto de engenharia? Se a empresa contratada não entregar a obra? Os exemplos não cessam, sobretudo após a imprevisibilidade à qual todos nós fomos submetidos com a pandemia do novo coronavírus.

Um dos riscos mais relevantes dos contratos administrativos para a execução de obras (se não maior deles) diz respeito aos projetos de engenharia, já que seus elementos impactam a segurança, a solidez e a eficácia da obra, os valores do contrato, a elaboração das propostas e, consequentemente, a concorrência durante a licitação. No regime dos contratos de empreitada estabelecido pela lei nº 8.666/1993, a vedação de que um mesmo agente elabore o projeto básico e participe da licitação da obra impunha inexoravelmente a assunção, pelo Poder Público, de todos os riscos envolvidos na elaboração e na implementação das orientações do projeto (CÂMARA, 2005, p. 162-163).Dentre as separações artificiais de mercado perpetuadas pela Lei nº 8.666/1993, há aquela diretamente relacionada aos riscos decorrentes do projeto de engenharia. De um lado, estão as empresas responsáveis por elaborar projetos de engenharia e, de outro, as construtoras incumbidas de executar as diretrizes e orientações do projeto. Ambas as empresas são contratadas pela Administração Pública, que, ao ser responsável pela contratação separada desses dois objetos, a um só tempo assume o custo de gerenciamento e, também, os riscos envolvidos na contratação, na elaboração e na implementação do projeto – certamente o mais oneroso de todos os custos.

Não é raro a construtora oferecer preço competitivo numa licitação apostando em erro de projeto que, após demonstração e análise, resultará em aditivo contratual financeiramente vantajoso. Essa situação começou a incomodar e tem recebido tratamento diferente ao longo das modificações do chamado Regime Geral de Contratações Públicas.

A alocação de riscos nos contratos administrativos de engenharia recebe tratamento diferente em normas mais específicas desde 1995. A Nova Lei de Licitações é fruto desse contexto e tomou emprestado parte relevante das soluções propostas nos regimes de contratação alternativos à Lei nº 8.666/1993, inclusive quanto a obras e serviços de engenharia. Não só tratou a lei de unificar os regimes (o que tem sido chamado de “codificação”), mas ampliou para toda a Administração Pública aplicação de tais soluções, antes restritas a hipóteses particulares.

Considerando a relevância da alocação do risco de projeto nos contratos de engenharia, este artigo visa a contribuir para a interpretação das disposições da Nova Lei de Licitações sobre os riscos decorrentes dos projetos de engenharia, a partir da experiência acumulada da Administração Pública com outras normas sobre licitações e contratações públicas.

Publicado em 2022.

Artigo originalmente publicado em:  https://aplicacao.aasp.org.br/aasp/servicos/revista_advogado/paginaveis/153/94/index.html

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